domingo, 11 de dezembro de 2011

Barrados na Cidade X


Produtores rurais de São João da Barra estão sendo pressionados a sair de suas propriedades centenárias para a criação do distrito industrial do Super Porto do Açu

 
São cerca de 1.500 famílias que vivem da terra, plantando aipim, batata, couve, alface, tomate, coco, jiló, laranja, abacaxi, limão, entre outros produtos que abastecem parte do mercado de municípios vizinhos, como Campos dos Goytacazes, Macaé e Rio das Ostras, bem como os balneários de Atafona e Grussaí. Pequenos agricultores estabelecidos há mais de 200 anos na região do Açu, abrangendo o 4º e o 5º distritos de São João da Barra, nas localidades de Campo da Praia, Tombado, Pipeiras, Água Preta, Mato Escuro, Cajueiro e Azeitona.

Pessoas humildes que sobrevivem da agricultura familiar e convivem com a incerteza de seus futuros, pois boa parte dessa área, que corresponde a aproximadamente 1/3 de todo o território de São João da Barra, está sendo desapropriada para a construção do Super Porto do Açu (90 km²) e do distrito industrial (70 km²), além da chamada “Cidade X”, idealizada para acomodar até 250 mil pessoas, população estimada para São João da Barra em 2025 quando o porto estiver operando em pleno vapor.

O Porto do Açu é um empreendimento logístico da empresa LLX Logística S.A., que faz parte de um projeto maior do grupo EBX, controlado por Eike Batista, e prevê um modelo de condomínio industrial-logístico sem precedentes no País. A previsão é que lá seja instalada uma siderúrgica, duas cimenteiras, um polo metal-mecânico, usina termelétrica e pelo menos quatro usinas para pelotização de minério, que chegará ao porto por um mineroduto de 525 km de extensão que passa por 32 municípios em Minas e no Rio.


 
Alterações

Andando pela região é possível ver placas que já determinam a localização de alguns empreendimentos, como siderúrgica e construção naval. Se todas as negociações anunciadas se confirmarem, serão investidos mais de R$ 40 bilhões na região, alterando radicalmente o perfil demográfico, social e principalmente econômico de São João da Barra, cidade que hoje conta com 30 mil habitantes.
 
Sob a justificativa de minimizar os impactos que os novos empreendimentos vão provocar, a secretaria estadual do Ambiente reservou uma das fazendas adquiridas pela holding EBX para transformá-la em reserva ecológica. Para compensar, a prefeitura e o governo do Estado decidiram criar um distrito industrial e, para isso, a Codin (Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro) está desapropriando uma área de 70 Km².


E é aí que começa o problema: se por um lado está sendo articulado o crescimento econômico e a preservação ambiental, por outro não coloca o ser humano como peça do tripé da sustentabilidade (o social, o ambiental e o econômico).  Nessa região vivem milhares de produtores rurais que sustentam suas famílias com o que plantam ali e não querem deixar o local onde nasceram e cultivam para sua sobrevivência.

Eles, que viveram décadas em uma região carente de recursos, agora querem participar da “festa”, mas desde março, quando começaram a ser cumpridos os mandados de posse mediante desapropriação, os moradores dormem com medo de serem expulsos ao amanhecer.

Produtores convivem com a insegurança

“Tem dias que a gente nem dorme. Ontem mesmo levantei uma hora e não dormi mais. Meu marido diz que só sai daqui morto”, falou a produtora Maria Ribeiro Machado, 67 anos, nascida e criada no local. Ela tem uma pequena propriedade com cerca de 30 alqueires, onde vive com o marido e filho. De um lado uma bela plantação de aipim. Do outro, pés de coco. Ao fundo, criação de porcos, algumas cabeças de gado e mais cultivos variados.


A casa principal ainda mantém sua arquitetura tradicional, com figuras que adornam a parede. Próximo, uma cobertura abriga o maquinário da fazenda. A renda da família vem de sua própria terra, onde também produz queijo, vendido para estabelecimentos de Grussaí e Atafona. “Essa casa vem dos meus bisavôs”, falou Dona Maria, temendo ter sua terra desapropriada.


Assim como Dona Maria, Valdeci da Silva Almeida nasceu na região e também vive do que planta. O sítio é da família e é fonte de renda de doze irmãos e sua mãe, que vive na casa vizinha, junto com outro filho doente. Valdeci conta que suas terras estão localizadas no traçado da linha elétrica e terão que ser desapropriadas por conta disso. “Se eles tiram a gente daqui, o que vamos fazer? Eles não podem beneficiar quem vem de fora, enquanto nós, que moramos aqui, eles querem enxotar”, desabafou Valdeci, que nunca exerceu outro ofício senão o de lavrador e não quer deixar a profissão. “Nossa caneta de trabalho é a enxada. Se não queremos vender nossas terras, eles têm que respeitar”, complementou.



O produtor rural e uma das lideranças da Associação dos Produtores Rurais e Moradores do 5º distrito (Asprim), Rodrigo Silva Santos ressaltou o medo que os agricultores têm de perder suas terras e o sustento das famílias. Ele conta que tudo começou em 2007, quando a prefeitura revisou o zoneamento de São João da Barra, transformando o 4º e 5º distritos de área rural para industrial, permitindo que o poder público desaproprie a área para fins de interesse coletivo. “No dia 31 de dezembro de 2008, no apagar das luzes, a prefeitura publicou um decreto de desapropriação sem consulta popular ou uma audiência pública”, criticou Rodrigo.

As desapropriações, que ainda não foram pagas em sua maioria e nem mesmo negociadas com todos, só alguns poucos, estão sendo feitas pelo Governo do Estado,  através da Codin, que no ano passado chegou a abrir um posto em Água Preta. A empresa confirmou a área de desapropriação de 70 km², que abrange as localidades de Água Preta, Salgado, Açu, Campo da Praia, Cajueiro. A Codin garante que as posses das propriedades vão para o estado, e que o Distrito Industrial é gerido pela companhia e não se relaciona com as obras da iniciativa privada do Porto do Açu. “Esta foi mais uma manobra do governo para legitimar a venda ilegal de parte da cidade de São João da Barra, sem sequer pensar que aqui vivem pessoas”, falou João.

Resistência

Para tentar resistir, os produtores se uniram através da Asprim, que mantém uma sede onde acontecem reuniões regulares. Rodrigo frisou que a população não é contra a instalação do Porto do Açu, pois ela quer fazer parte do desenvolvimento que o empreendimento vai promover. Mas os produtores que vivem da terra e estão estabelecidos há anos no local, esses são contrários, sim, às desapropriações que estão acontecendo em suas terras para a criação do Distrito Industrial. “Nós não somos contra o porto, só não queremos deixar nossas casas. Ninguém aqui depende de prefeitura para sobreviver, pois vivemos do nosso trabalho e eles estão forçando as pessoas a deixarem seus sustentos, suas vidas. E para ir para onde? Para fazer o que?”, desabafou Rodrigo, criticando também a falta de diálogo da empresa com a comunidade.


 João Batista, outra liderança comunitária, ressaltou que os produtores já tiveram duas conquistas. Uma delas foi garantir, através da Câmara de Vereadores, o tombamento socioambiental de uma área do 5º distrito que equivale a sete mil campos de futebol. Outra foi a reintegração de posse concedida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, permitindo que uma proprietária voltasse para a fazenda de quase 30 hectares. “Eles dizem que nossas terras são improdutivas, mas se você andar por aí, você vai ver que isso é mentira. Todos aqui vivem dessa terra que dá de tudo que a gente planta”, garantiu.



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