Região é uma das poucas áreas de restinga fora de unidade de
conservação que estão preservadas no litoral brasileiro
Sob o argumento de promover o crescimento da região Norte Fluminense, empresários e gestores públicos estão promovendo a destruição de uma das últimas áreas de restinga do país. Trata-se de uma região com mais de 7 mil hectares no município de São João da Barra, destinada pelo governo municipal e estadual para a criação do Distrito Industrial, que será gerido pela Codin (órgão estadual), mas dotado de infraestrutura com investimentos privados do grupo EBX.
A retirada da vegetação para as obras de infraestrutura
Segundo representantes do Grupo de Trabalho em Assuntos Agrários da Associação dos Geógrafos Brasileiros, trata-se de uma região única e socioambientalmente diferenciada, composta por um complexo de lagunas, charcos, pequenos córregos, estuários, brejos costeiros, vegetação arbustiva fixadora de dunas, formações geológicas sedimentares, formações herbáceas e graminóides associadas a faixa de praia, além de
um mosaico de comunidades rurais, pescadores artesanais, agricultores familiares, posseiros e pequenos comerciantes.
Eduardo e Paulo falam sobre os irreversíveis impactos sociais e ambientais que o porto vai provocar na região
Próximo ao Rio + 20 estamos licenciando a maior obra portuária das Américas em uma área de restinga, que abriga comunidades ecológicas marcadas pela singularidade botânica e faunística, classificadas como de extremo interesse para a conservação da biodiversidade, além de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, que poderão desaparecer em função da redução de seu habitat natural”, falou Eduardo Barcelos, da AGB.
Ele explicou que a associação elaborou um relatório sobre os impactos que o Complexo Industrial-Portuário do Açu vai provocar sobre o meio ambiente e as comunidades estabelecidas há centenas de anos na região, já que o empreendimento prevê a desapropriação de mais de 400 famílias que vivem no 5º distrito. “Durante 15 dias fizemos um amplo trabalho de campo e entendemos que a restinga de São João da Barra é uma das últimas existentes fora de unidades de conservação que se manteve preservada durante todos esses anos em função de sua ocupação e a relação das comunidades com a terra. A grande maioria são pequenos agricultores familiares, que provocam um impacto infinitamente menor do que uma siderúrgica ou uma cimenteira”, argumentou Eduardo, observando que no próprio relatório ambiental dos empreendimentos está explicitado o alto nível de preservação e a baixa ação antrópica na região.
De acordo com Paulo Alentejano, o CIPA vai trazer consequências irreversíveis ao ecossistema terrestre e marinho. “Para as obras de terraplanagem e aterramento, uma draga retira areia do fundo do mar e o deposita sobre a restinga, o que vai contribuir em curto prazo para o processo de erosão e assoreamento dos corpos hídricos, além de já estar provocando impactos na biota marinha, com reflexos diretos na pesca. A região é o 3º maior produtor de pescado do estado e as obras vão afetar diretamente 400 famílias que estão tendo seus modos de vida inviabilizados”, completou Alentejano, lembrando ainda que estão previstos dois ‘bota-foras’ no fundo do mar. “Estes chamados ‘bota-foras’ são grandes depósitos no fundo do mar para receber os resíduos das obras de terraplanagem”, explicou.
Draga retirando areia do fundo do mar para aumentar o calado
e ainda servir para as obras de aterramento do porto
Ele observou que os próprios RIMAs dos empreendimentos confirmam tal impacto e elencam outros gravíssimos, como a contaminação do lençol freático, alteração na qualidade do ar e do solo, alteração do escoamento hídrico superficial, alterações nas atividades de desova de tartarugas marinhas, introdução de espécies exóticas trazidas nos cascos dos navios, contaminação da biota aquática pelo efeito residual das tintas antiincrustantes das embarcações, riscos de derramamento de óleo, redução da área de pesca, afugentamento de peixes, entre outros.
Tartaruga encontrada pela metade na Praia do Açu, além de esqueleto de animais entre a vegetação degradada
No relatório do AGB, os técnicos ainda questionam a fragmentação do licenciamento ambiental do CIPA, o que não considera a totalidade dos impactos. “Isso gera inconsistências gravíssimas e uma notória incoerência no licenciamento. A avaliação do CIPA foi feita de forma tendenciosa, contrária ao disposto no art. 7 da Resolução CONAMA 001\1986, priorizando excessivamente o meio físico e os aspectos botânicos e faunísticos, e em boa medida, ocultado os aspectos sociológicos, antropológicos, culturais e históricos”, falou Eduardo.
O relatório da AGB ainda questionou as divergências nos RIMAs dos empreendimentos que já foram ou estão sendo licenciados (Siderúrgica, Unidade de Construção Naval, duas termelétricas e Unidade de Tratamento de Petróleo). “Eles destacam a restinga de São João da Barra como de extrema singularidade e ao mesmo tempo falam em retirada dessa vegetação. Também apontam impactos irreversíveis, mas mesmo assim apontam ações de recuperação ambiental”, falou.
Os RIMAs mostram que nos locais que serão diretamente afetados existem áreas alagáveis que servem de abrigo, refúgio, alimentação e reprodução das aves, incluindo espécies em extinção ou endêmicas. “A região ainda funciona com rota migratória para algumas espécies, principalmente os misticetos, ocupando sazonalmente a área; e também é utilizada como área de alimentação, em função da alta produtividade associada a sistemas costeiros e à proximidade de rios que fornecem uma alta disponibilidade de presas, sendo dessa forma ocupada sazonalmente por algumas espécies; o local também serve como habitat fixo para pequenos cetáceos, com distribuição mais restrita, como é o caso da toninha e do golfinho de dentes rugosos”, aponta o RIMA.
Além disso, os próprios relatórios mostram que os impactos vão atingir espécies da fauna consideradas relevantes, como a perereca-de-capacete, perereca-verde e rã-manteiga, lagarto-do-rabo-verde (incluído na lista de espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção), o cágado amarelo, jacaré-do-papo-amarelo e lagartixa-da-areia (incluídos na lista da fauna ameaçada do Estado do Rio de Janeiro). No grupo das serpentes, foram registradas espécies de interesse médico, como corre-campo e jararaca, que podem desaparecer.
Outras espécies também poderão ser ameaçadas como sabiá-da-praia, criticamente ameaçado no Estado do Rio de Janeiro; a saíra-sapucaia, endêmica da Mata Atlântica; a lontra, listada como vulnerável no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção; e Parides ascanius, espécie de borboleta ameaçada de extinção. “Não são raros os casos de tartarugas marinhas que aparecem mortas. Recentemente, apareceram duas mortas com o casco quebrado”, falou.
Além dos impactos ambientais, o vice-presidente da Associação dos Produtores Rurais e Imóveis de São João da Barra (Asprim), Rodrigo Silva Santos, lembra dos problemas sociais que serão gerados. “A justificativa da prefeitura, do governo do estado e da EBX para a implantação do CIPA no 5º distrito é a localização e aproveitamento das potencialidades locais e regionais, além da pouca aptidão agrícola, devido às características físicas dos solos. Eles vêm aqui, numa área que sempre teve como característica a pesca e a agricultura, e têm a cara de pau de dizer que nossas terras são improdutivas. Nos estranha ouvir isso quando produzimos mensalmente 300 toneladas de maxixe e quiabo, além de ter a segunda maior produção de abacaxi do estado, com 4,6 milhões de unidades anuais”, falou Rodrigo, ressaltando que a cadeia produtiva da agricultura gera 15 mil empregos diretos, e o empreendimento poderá afetar o abastecimento agrícola em todo o Estado do Rio de Janeiro.
Rodrigo observa que a cadeia produtiva da agricultura gera 15 mil empregos
diretos e o complexo pode afetar o abastecimento agrícola no estado
Ele ainda aponta irregularidades no processo de desapropriação e realocação das famílias que estão sendo atingidas. “A avaliação que eles fazem sobre o valor das terras e benfeitorias são feitas em papel de pão em um ato de total desrespeito com o agricultor. Muitos já foram desapropriados, mas ainda não receberam duas indenizações”, falou Rodrigo, ressaltando ainda que a EBX ainda não possui a documentação do Palacete, local para onde as famílias estão sendo levadas. “Esta é uma área arrendada que ainda está na justiça. Ou seja, estamos sendo retirados de nossas terras para sermos transferidos para um local que não é nosso e onde nosso futuro será incerto. Não somos contra o Porto e nem contra o desenvolvimento, mas queremos ter o direito de produzir em nossas terras, conseguidas com muito trabalho e suor. Nós não vamos ceder, pois nossa cultura e nossa vida estão dentro do 5º distrito”.
O deputado Marcelo Freixo, que presidiu a última audiência pública que aconteceu na Alerj, propôs que as desapropriações devem ser interrompidas até que o estado pague as indenizações que os proprietários têm direito. “A ideia de desenvolvimento no Estado do Rio é diferente. O Porto do Açu, a CSA, o Arco Metropolitano são escolhas políticas. Não fiz essa audiência para mudar a concepção de economia do governo. Mas o respeito a lei independe da vontade do governo. O art. 265 da Constituição Estadual prevê o pagamento prévio da indenização. A lei é clara e esta não está sendo cumprida e enquanto ela não é cumprida, pedimos que o estado cesse os processos de desapropriação”, argumentou Freixo.
Deputado Marcelo Freixo pediu a paralisação das desapropriações
até que o Estado do Rio cumpra com a legislação
Presente a audiência, o secretário de Desenvolvimento do Estado, Júlio Bueno, se posicionou contrário a sugestão de Freixo. “São R$ 20 milhões já liberados, só para que vocês tenham uma ideia da ordem de grandeza de que estamos falando”, falou Bueno.
No RIMA, o grupo EBX aponta como alternativa para o impacto na fauna o resgate e realocação dos animais antes que a área seja suprimida. Também aponta soluções para minimizar os impactos na qualidade da água, do ar e do solo, bem como no que se refere as desapropriações. “Eles apresentaram propostas, criação de grupos de trabalho, monitoramento e gerenciamento. Mas em momento algum apresentaram soluções, apenas projeções que nunca vão se concretizar”, falou Rodrigo.
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