terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

“Se a lagoa estava na enfermaria, os últimos 10 anos levaram-na para a UTI!”


 
Ambientalista e pesquisador, o biólogo Guilherme Sardenberg conhece muito bem o ecossistema que se encontra seriamente ameaçado pelo desenvolvimento desordenado da região. Sua tese de mestrado foi sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Imboacica, que engloba a Lagoa Imbocica e todo o seu entorno. Veja a entrevista do biólogo sobre os pontos primordiais em relação ao ecossistema. 


RVS: Existe um tempo mínimo entre uma abertura e outra para que esta seja feita provocando o mínimo de impacto possível para a vida marinha e terrestre?
GS: Muitos anos de discussão e acompanhamento levaram a firmar como intervalo mínimo de tempo aproximadamente 03 anos. Este prazo tem haver com ciclo de vida dos animais (principalmente ictiofauna). A abertura de barra é algo tão impactante para o ecossistema que fica muito difícil de definir o que seria maior ou menor impacto. Há impacto positivo e negativo.

RVS: Quais os benefícios da abertura de barra?
GS: Alterar sistemas ecológicos quase sempre provoca surpresas nos resultados. Atendo-se à abertura de barra, não há qualquer estudo conclusivo sobre os efeitos/resultados que serão alcançados. De fato, estudos conclusivos sobre sistemas tão complexos seriam questionáveis, no entanto, há algumas certezas e diversas suposições: certeza de que as massas d'água do mar e da lagoa serão trocadas, que diversas espécies de peixes e muitos outros animais microscópicos e decompositores morrerão por motivos diferentes, que tantos outros entrarão na lagoa e ainda haverá os que mudarão seu estágio reprodutivo. Das suposições, que as águas poluídas da lagoa e os peixes mortos chegarão ao litoral de Rio das Ostras, que haverá recuo ou avanço das macrófitas como taboas, que haverá melhoria das águas da lagoa – renovam-se as águas, mas, na medida em que o aporte de esgoto continua o mesmo, nos primeiros meses a concentração de poluentes aumenta. É por isso que não há como afirmar, categoricamente, por qual período máximo a lagoa deve permanecer fechada.



RVS: Há previsão de quando a lagoa pode encher novamente?
GS: Não, tem que contar com as chuvas e as contribuições da Lagoa, que agora, em função da construção do vertedouro, diminuíram. O principal tributário da lagoa é o Rio Imboacica. O segundo era o Canal da Peleja! Esse é o motivo de minha indignação com esta obra - ela impede que as águas deste canal contribuam para a Lagoa. Um grande absurdo, um crime!

RVS: Qual a influência do Rio Imboacica, que hoje também encontra-se bastante assoreado e com vazão mínima?
GS: É o principal tributário da Lagoa. Não sei precisar a vazão dele porque não disponho de dados. Cada vez mais ele perde suas características. Como todos os outros rios da região, ele foi retilinizado pelo extinto DNOS. Hoje, vem sofrendo com o avanço das áreas industriais de Rio das Ostras e Macaé.
  


RVS: Em relação ao esgoto, a solução seria a ETE do Mutum. Em que pé está a construção da rede para interligar as casas a estação de tratamento?
GS: A informação que tenho é que a rede coletora de esgoto do Mirante da Lagoa, por exemplo, tem que ser recuperada e invertida, já que ela foi programada para escoar para o lado inverso onde está a ETE Mutum. Algumas redes estão sendo construídas na região do São Marcos.

RVS: E a ETE do Mutum, já está recebendo algum esgoto, já está operando?
GS: Não está funcionando.



RVS: Você acredita que as previsões do professor Chico Esteves de que a lagoa pode virar um grande brejo em 130 anos podem se concretizar com o ritmo de degradação que Macaé vive hoje?
GS: Talvez até em menos tempo. Se a lagoa estava na enfermaria, os últimos 10 anos levaram-na para a UTI! Com a movimentação enorme que está havendo por trás da região do Parque de Tubos, muito desse sedimento vai parar na lagoa, ainda mais que os trabalhos de macrodrenagem aumentaram as galerias que escoam para dentro da lagoa. Toda chuva, é carreamento de sedimento para a Lagoa.

RVS: Qual o maior problema que você vê em relação a lagoa e o que deve ser feito para que ela sobreviva por mais tempo?
GS: O maior problema está fora e distante da Lagoa. Está em salas com ar condicionado. A administração pública é o mal da lagoa. E não é negligência, porque coisas estão sendo feitas. É falta de conhecimento e sinergia. As secretarias não trabalham juntas: veja este exemplo que lhe dei antes sobre as galerias próximas ao Parque de Tubos. A SEMOB realiza a drenagem para evitar alagamentos, mas esta área que contribui para essas galerias são imensas áreas com solo exposto, licenciadas pela SEMA ou INEA. Então, a chuva virá e pode não haver alagamento, mas haverá um maciço assoreamento que, em futuro próximo será determinante para que a lagoa fique mais rasa e diminua sua condição de receber as águas das redondezas.

RVS: Suas considerações finais.
GS: Para finalizar, ninguém tem falado sério quanto à melhoria das condições ecológicas da lagoa, que elenco abaixo: construção das redes coletoras de esgoto e tratamento em estações terciárias; alteração no artigo da Lei 141 - Novo Código de Urbanismo, que manteve, contrariamente ao Plano Diretor, o gabarito na orla em 20 metros, ou 07 andares. Tem que haver menos gente morando na orla da lagoa; proteção total das áreas brejosas no entorno da lagoa, servem, dentre outras coisas, para diminuir os alagamentos, além de ser ecossistema importantíssimo; revegetação das faixas marginais de proteção dos principais tributários - Rio Imboacica e Canal da Peleja e da lagoa onde for possível; recuperação do Canal do Mulambo com plantio mínimo que seja em suas margens; dragagem de alguns pontos da lagoa; e remoção planejada de taboas, pois elas ajudam a assorear a lagoa.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012